segunda-feira, 3 de setembro de 2012

A bola e a laranja

Neste momento, creio ser ponto pacífico a constatação de que o futebol brasileiro tem problemas na formação de seus atletas. Durante anos, demos mais ênfase à força em detrimento da técnica, cometemos lamentáveis equívocos táticos e hoje pagamos um preço caro por essa escolha. Laterais e meias que não sabem marcar e volantes que não sabem jogar são a expressão mais óbvia dos problemas que temos visto nos gramados locais. 
As questões a serem debatidas parecem bem claras. A diferença agora está na maneira como quem pensa futebol imagina como as resolveremos. Paulo César Caju, ex-jogador e atualmente colunista do Jornal da Tarde, é enfático ao defender o uso de futebolistas na formação de novos valores. “Não se pode ensinar algo que você não sabe. Os ‘professores’ de hoje, que nunca chutaram uma laranja, só podem ensinar a marcar, correr e fazer faltas”, costuma ponderar em seus textos. Difícil negar a existência de lógica em tal raciocínio. Simultaneamente, o técnico multicampeão de vôlei, José Roberto Guimarães, segue o mesmo caminho quando perguntado se seria possível sua migração para os gramados: “Primeiro, eu teria de ser mais jovem. Depois, teria de ter jogado. Preferencialmente, como zagueiro ou volante que veem o jogo melhor. É muito importante ter jogado”.  
Na contramão dessa tese, Arrigo Sacchi, ex-técnico do Milan e da Seleção Italiana, costuma ironizar a necessidade de ter sido jogador com a seguinte frase: “Não é preciso ter sido um cavalo para ser um jóquei”.  Sem dúvida, uma expressão que se popularizou, mas que não deveria ser encarada como séria. Bem menos jocoso é o trabalho jornalístico do ótimo site Olheiros, espaço destinado a cobrir jovens atletas do Brasil e do mundo. Embora não exista o que possa ser chamado de “posição do site”, a equipe sempre mostra sua preocupação com ex-jogadores que se tornam treinadores sem dominar os conhecimentos táticos necessários para a tarefa e nem se mantêm atualizados. Seguindo a mesma lógica citada por Paulo César Caju, como os antigos boleiros podem ensinar algo que não sabem?
Por essas e outras, sempre defendi a criação no Brasil de um centro de excelência voltado para o futebol. Algo como um centro de Coverciano tupiniquim. Obviamente, a entidade mantenedora seria a CBF que é quem mais se beneficia com esse esporte no País. A ideia central seria gerenciar uma escola técnica voltada à capacitação de ex-jogadores e demais interessados em se tornarem treinadores. Promover o intercâmbio com profissionais estrangeiros, manter tanto os cursistas quanto os ex-alunos atualizados, realizar palestras e conferências, enfim, preencher a enorme lacuna na formação dos técnicos e outras funções do futebol com o objetivo de qualificar os profissionais da área. Utopia? Pode ser. Mas, provavelmente, seria uma maneira mais rápida e plausível para se recuperar o tempo perdido.

11 comentários:

Douglas Muniz disse...

Michel, sabe o que me parece essa conversa do PC Caju: um certo corporativismo á quem já jogou bola e não lhe agrada ver alguém que estudou para isso, que não seja de dentro do "mainstream" do desporto rei. Me parece loucura que gente de fora não possa se inserir e contribuir bastante na formação de jogadores e técnicos. Um dos exemplos que sempre gostei de ver é em Clairefontaine, na França, um centro de excelência na formação de jogadores e treinadores. Anelka, Henry, Nasri, Ben Arfa e dentre outros vieram de lá e é um lugar reconhecidamente na Europa como referência para a captação e revelação de talentos... Se houvesse uma por aqui...

Abraços!!!

Michel Costa disse...

Opa, o Clairefontaine é uma ótima lembrança, Douglas. A ideia é essa mesmo.
Quanto ao Caju, reaalmente é possível encontrar certo corporativismo em suas palavras, mas proponho que apenas o raciocínio seja ponderado. Ou seja, como alguém que nunca jogou poderá ensinar o que não está nos livros? Como bater de trivela, a manha de bater no contrapé ou por cima do goleiro, como cobrar uma falta, etc. Esse tipo de coisa é bem mais natural para quem esteve lá. Por outro lado, se os ex-jogadores não se atualizarem e continuarem achando que sabem tudo, nosso problema não será resolvido.

Abraço.

Douglas Muniz disse...

Sem duvida Michel. Será que com Lucas e Neymar nas alas no 4-2-3-1, o selecionado tupiniquim enriquecerá a naturalidade da movimentação...??? rsrsrs... frase do ANO!!!

Abraços!

Michel Costa disse...

Hehe... é provável, Douglas. E o Mano, que muitas vezes parece acreditar que é necessário assumir o tom professoral a todo o momento, muitas vezes deixa de se mostrar culto para ser apenas pedante.

Abraços.

Anônimo disse...

Se formos pelo raciocinio de Caju, apenas bons jogadores tecnicamente poderiam ser treinadores de futebol. Fundamento nao necessariamente precisa demonstrar, mas saber ajuda muito. Trabalhar em escolinhas é um exemplo disto. Outro é o trabalho individual no Inter com Chico Fraga que trabalhou com Alex, ex Corinthians, a bater faltas. Outro foi Ortiz com Leandro Damião. Ambos trabalhos específicos. Acredito que treinador com ideais claros, falar a mesma lingua do boleiro, leitura, sempre atualizado e saber como aplicar seus preceitos é essencial.

Michel Costa disse...

Concordo. Ter sido um craque não é essencial. Essencial é saber ensinar alguma coisa e que não seja apenas tática, marcação e correria.

Anônimo disse...

A CBF já ministra cursos em 4 niveis para formar treinadores. Tal curso já é chancelado da FIFA. Curso similar ao curso que a UEFA oferece também!

Michel Costa disse...

Não falo de um curso simples, sem expressão. Penso num centro de excelência, com referências internacionais e com abrangências em outras áreas.

Alexandre Rodrigues Alves disse...

Concordo plenamente com essa idéia de criação de um centro de formação de futebol por aqui. Infelizmente uma certa soberba em nossos dirigentes faz com que achamos que os jogadores brotam no meio da rua e não é necessário um maior aperfeiçoamento. Tudo que vier para contribuir com a cultura futebolistica é válido, pois temos o material humano, mas muitas vezes falta a capacidade de evolução.

Michel Costa disse...

É exatamente como eu penso, Alexandre. Infelizmente, ainda não perceberam como esse tipo de trabalho fez bem para países como Espanha, Alemanha e França. De qualquer modo, esse trabalho também pode ser feito nos clubes - como costuma alertar meu amigo Marcus Buiatti - mas não daria o sentido de unidade que eu proponho no post.

Alexandre Rodrigues Alves disse...

Sugiro um texto seu sobre esse post do André Barcinski, que achei muito pertinente sobre o atual momento da cobertura do futebol pela nossa mídia e sobre a reação de parte dos torcedores; engraçado que ele é um jornalista ligado à música, apesar de gostar muito de futebol pelo que ele escreve, mas precisa vir um cara de outra área dizer certas verdades que muitos jornalistas esportivos não gostam de abordar: http://andrebarcinski.blogfolha.uol.com.br/2012/09/05/o-futebol-arte-morreu-viva-o-futebol-chororo/